Proteção Civil

Avaliação da suscetibilidade associada a atividades de montanha no Parque Nacional da Peneda-Gerês: Contribuições para a elaboração de um Plano Prévio de Intervenção

Jorge Eiras Blog

Avaliação da suscetibilidade associada a atividades de montanha no Parque Nacional da Peneda-Gerês: Contribuições para a elaboração de um Plano Prévio de Intervenção

Autor

Jorge Eiras

Licenciado em Engenharia de Proteção Civil, Mestrado em Sistemas de Informação Geográfica e Ordenamento do Território. Docente na Universidade Lusófona. Membro do grupo científico de estudos e investigação, Civil Protection and Risk Analysis Group Portugal. Consultoria na área da Proteção Civil, Planeamento de Emergência, ordenamento do território e Segurança Contra Incêndios em Edifícios (SCIE). Consultor na área do planeamento de Defesa da Floresta Contra Incêndio (DFCI) e uso do Fogo.

O Parque Nacional Peneda-Gerês (PNPG) é o único Parque Nacional português. Ele tem vindo a receber um número crescente de visitantes, facto que os municípios aproveitam para promover o desenvolvimento económico de toda a região. Contudo, a ocorrência de alguns acidentes que resultam em feridos graves e mortos, pode comprometer esse potencial. Este trabalho desenvolve-se no sentido de identificar os perigos existentes no PNPG que têm contribuído para a ocorrência desses acidentes.

O PNPG é um território com elevado potencial que urge valorizar e que pode assumir-se como âncora para o desenvolvimento de uma vasta região que se estende por cinco municípios do Norte de Portugal. A riqueza, geológica, paisagística, patrimonial e ambiental é motivadora do crescente número de utilizadores do Parque, nacionais e estrangeiros, nomeadamente para a prática de atividades de montanha. A intensificação da sua utilização tem sido a causa de acidentes mais ou menos graves com desportistas, caminheiros ou simplesmente visitantes, obrigando a operações de socorro que se desenvolvem, muitas vezes, em condições pouco favoráveis, decorrentes principalmente das particularidades orográficas e geofísicas do local.

O PNPG apresenta declives muito acentuados, valores de precipitação anuais superiores 2800 mm e mais de 125 dias/ano com precipitação (AEmet, IPMA, 2011). No processo de enquadramento, foi também apurado através dos dados do Instituto Nacional de Estatística (Censos 2011, INE), o PNPG tem uma ocupação média de 9 habitantes/km² e um total de 6264 habitantes, com maior concentração demográfica junto às principais vias de comunicação.

Dados tratados e Métodos de Avaliação

Este trabalho tem como objetivo o estudo da região e as suas particularidades, a interpretação das ocorrências no período entre 2006 e 2015, a apresentação de oportunidades de melhoria da segurança no Parque e a apresentação de propostas para a elaboração de um Plano Prévio de Intervenção (PPI).

A partir dos dados disponibilizados, foi criada uma base de dados respeitante aos PNPG e à sua envolvente, nomeadamente, o histórico de ocorrência e os meios de socorro disponíveis para responder em caso de necessidade. Também se identificaram alguns fatores que contribuíram para que as mesmas se verificassem. Nesse processo, realizaram-se inquéritos às populações e ouviram-se todas as entidades com capacidade administrativa ou intervenientes, direta ou indiretamente, nos processos de prevenção e nas operações de socorro no local. Tirou-se partido também de várias visitas ao terreno, bem como do conhecimento que sobre o mesmo já se possuía. A organização do socorro é garantida pelo Sistema Integrado Operações de Proteção e Socorro (SIOPS), gerido pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), e pelo Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM), gerido pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). Através dos registos destas entidades, da Guarda Nacional Republicana (GNR) e da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) foram estudadas as ocorrências de trauma e busca/resgate, entre 2006 e 2015. No processo de tratamento destes dados foi possível identificar as freguesias que apresentam maior registo de ocorrências.

Busca/resgate no PNPG, 2006-2015 (Fonte dos dado: CAOP 2016, INE, Atlas do Ambiente).
Acidentes ou quedas no PNPG, 2006-2015(Fonte dos dado: CAOP 2016, INE, Atlas do Ambiente).

A falta de georreferenciação das ocorrências e a localização incompleta de algumas, não permitiu tratar os registos com mais rigor, apenas ao nível da divisão administrativa de freguesia. Além da falta da georreferenciação das ocorrências, foi identificada a inexistência de dados fidedignos do número de utilizadores do Parque, traduzindo-se na inibição do cálculo da probabilidade da ocorrência de acidente. O aumento da afluência de utilizadores foi muitas vezes referido pelas organizações contactadas, contudo, não existem dados concretos que fundamentem esta perceção empírica.

Como já foi referido, a falta de geolocalização das ocorrências e o desconhecimento de um número fidedigno de utilizadores do Parque Nacional limitaram o tratamento dos registos e os seus resultados, e assim, identificar se existem tendências do aumento da ocorrência de acidentes ou se os utilizadores são mais imprudentes. A tecnologia de comunicações usada atualmente pelos Agentes de Proteção Civil (APC), permite uma geolocalização e referenciação das ocorrências com o rigor exigido para estes acidentes. No entanto, além dos poucos registos com coordenadas, existem alguns com imprecisões na geolocalização, apresentando coordenadas fora dos limites da freguesia referida e, em alguns casos, mesmo fora do Parque. Esta situação pode dever-se à deficiente cobertura da rede de comunicações de emergência do Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), em que, atualmente e em alguns pontos, já terá sido corrigida. 

No período temporal avaliado (2006-2015), registaram-se 1042 vítimas de trauma, 99 buscas, 978 feridos, 8 mortos e 46 assistidos, em todo o Parque. No tratamento dos dados das ocorrências, também foi possível apurar que em todos os municípios do Parque se registam mais ocorrências no período de maio a outubro, com incidência significativa no mês de agosto. Apesar disso, as situações mais críticas em termos de risco para a vida e as operações de socorro mais complexas ocorrem tendencialmente no inverno, agravadas pelas condições meteorológicas adversas que são típicas na região naquela época do ano, nomeadamente em situações de precipitação intensa e/ou de nevoeiro.

Após identificação dos meios de resposta e do seu posicionamento no território adjacente, nos vários corpos de bombeiros dos municípios envolventes, estimaram-se os tempos médios para posicionar meios de socorro à entrada do Parque, após a sua ativação. Concluiu-se que existe uma grande diversidade de situações.

Tempo (horas), para posicionar os meios de socorro à entrada do PNPG.

As situações mais favoráveis ocorrem nos municípios dos Arcos de Valdevez e Ponte da Barca, onde os meios de salvamento do SIOPS, o Suporte Básico de Vida (SBV) e Suporte Avançado de Vida (SAV) levam 21 e 11 minutos respetivamente a chegar à entrada do Parque. O mais desfavorável são os municípios de Terras de Bouro e Montalegre, onde o SAV pode demorar aproximadamente uma hora. O município dos Arcos de Valdevez é o que apresenta o maior número de valências de resposta, estando fixados neste município, uma Corporação de Bombeiros (CB), um Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS) da GNR e uma Ambulância de Suporte Imediato de Vida (SIV) do INEM. No interior do Parque, o tempo de deslocação dos meios apresenta maior variabilidade, devido às dificuldades em circular na rede viária, com vias estreitas e com muitas curvas. Fora da rede viária, a resposta depende muito da distância a que se verificou a ocorrência, havendo muitas vezes a necessidade de as equipas de socorro andarem mais de duas horas a pé com mais ou menos equipamento, dependendo do tipo de acidente e do estado da vítima. Os operacionais fazem referência que praticamente todas as vítimas, além de receberem tratamentos pré-hospitalares também têm que ser resgatadas por equipas preparadas e com o equipamento adequado. Com recurso às informações prestadas pelos Agentes de Proteção Civil e considerando os dados registados nos últimos anos do período em análise, apresenta-se o tempo estimado para a chegada do socorro à vítima com condições meteorológicas favoráveis e sem necessidade de meios de resgate para além do transporte da vítima.

Tempo (horas), para a chegada do socorro à vítima.

Além dos meios de socorro periféricos referidos, existem três meios aéreos com intervenção no PNPG, um de evacuação médica e dois de resgate e evacuação médica, onde a evacuação médica por meio aéreo está a aproximadamente uma hora e o regate por meio aéreo passa das 2 horas em período noturno.
Outro aspeto tido em consideração no estudo, foram os fatores que acentuam o risco, como os fatores meteorológicos. Pois, as situações mais complicadas acontecem no inverno e agravam-se com as condições meteorológicas no terreno. No tratamento de dados relativos aos fatores climáticos críticos, foi usada uma carta de nevoeiro para o PNPG (Daveau, 1985) adaptada para este território, pois esta condição meteorológica constitui um perigo que potencia a desorientação de muitos caminheiros.

Nevoeiro no PNPG (Fonte dos dados: CAOP 2016, Daveau, 1985, EU-DEM (EEA)).

A precipitação, muitas vezes sob a forma de neve, também é um perigo para os utilizadores e condiciona o resgate. A neve é frequente durante o inverno e início da primavera, sendo pouco frequentes em cotas inferiores a 500 m. Não existem atualmente equipamentos meteorológicos nas estações existentes capazes de avaliar e quantificar a precipitação em forma de neve devido à falta de observadores meteorológicos nas estações (Simões, I. etal., 2009). Deveria também, a este nível existir uma base de dados que refletisse o histórico de ocorrências. Os serviços municipais de proteção civil orientam-se pelas previsões do IPMA e adotam ações reativas tendo por base o conhecimento empírico.
A gravidade da mordedura por répteis venenosos foi também considerada, por exigirem tempos de resposta geralmente muito curtos. Este tipo de ocorrência não é muito frequente, o último registo remonta a agosto de 2002.
Depois de estudadas as ocorrências, as condições do meio e os trabalhos existentes, identificaram-se como principais perigos no PNPG, o declive orográfico, as condições meteorológicas adversas e animais venenosos. Com base nisso, foi conduzido um processo de avaliação de risco utilizando a metodologia referida em Julião et al. (2009), criando-se um mapa de suscetibilidade de queda nos trilhos do PNPG e de suscetibilidade dos utilizadores se perderem. Identificaram-se assim as zonas dos trilhos com suscetibilidade mais elevada.

Suscetibilidade de perdidos nos trilhos do PNPG (Fonte dos dados: CAOP 2016, EU-DEM (EEA)).
Suscetibilidade de queda nos trilhos do PNPG (Fonte dos dados: CAOP 2016, EU-DEM (EEA).

Nas ações desenvolvidas com as entidades do terreno, identificaram-se também vulnerabilidades estruturais a nível dos sistemas de comunicações móveis e nos sistemas de comunicações das forças de socorro. Foram identificadas vulnerabilidades institucionais decorrentes da divisão administrativa do Parque e do seu ordenamento próprio. Foram ainda identificadas as vulnerabilidades económicas dos municípios, pois o seu rendimento per capita compreende-se entre os 64% e os 68% da média nacional (INE 2011). Relativamente à vulnerabilidade social, foi reportado pelos agentes de proteção civil que os utilizadores socorridos nem sempre estão preparados para as atividades que desenvolvem.

Assim, apresentam-se medidas para melhoria da segurança do PNPG, como a revisão da marcação dos trilhos, a melhoria dos sistemas de comunicações, a utilização de sistemas de comunicação digital, para georreferenciação e identificação do número de utilizadores e a melhoria dos equipamentos dos Agentes de Proteção Civil. Além das medidas estruturais, há outras medidas que urgem implementar, como a criação de planos de contingência, a aprovação de um PPI para todo o Parque, o reforço da formação dos agentes de socorro e a realização regular de simulacros.

O fomento do associativismo entre praticantes e a criação de um sistema de avisos e alertas confiável com potencial de atingir todos os visitantes em todos os dias do ano são outras recomendações que valorizariam o PNPG na perspetiva do reforço da segurança de todos os seus utilizadores. 

Para a elaboração de um PPI, propõe-se que o mesmo considere a uniformização de equipamentos e a valência de todos os meios de resposta identificados, assim como os procedimentos e protocolos de atuação, em todos os casos

Conclusão

A avaliação de risco e a proposta de medidas para a sua mitigação, são uma base fundamental para a gestão de risco e operacionalização da resposta. Nesta publicação reporta-se um trabalho de investigação executado com o apoio das principais entidades do terreno, comprovando a pertinência das ações onde os resultados são mais concretos e de utilidade maior para a segurança dos utilizadores do PNPG. Nesta base, foram apresentadas propostas de melhoria da segurança e operacionalização do socorro, nomeadamente, para a redução da suscetibilidade e das vulnerabilidades identificadas.
Foram dados contributos novos em muitos aspetos, fica, todavia, incompleto. Futuramente devem ser desenvolvidas ações complementares, de importância crítica, como o aprofundamento de uma base de dados passível de reunir diferentes estudos de risco, a melhoria dos planos de incidência territorial existentes ou a criação de uma base de registos de todas as ocorrências georreferenciadas, independentemente da organização que a gere. Estes instrumentos, juntamente com a quantificação dos utilizadores, devem ser trabalhados numa tecnologia comum, baseada em SIG, com vista a permitir uma gestão integrada da segurança do Parque e das operações de resposta à emergência e, desta forma, também ao aumento da segurança no Parque, assim como a melhoria da eficiência na resposta dos agentes de proteção civil. Facilitariam ainda, a introdução e consideração destes riscos nos Planos Municipais de Emergência de Proteção Civil (PMEPC), o que não acontece neste momento.
Conclui-se que a reunião de sinergias contemplando todas as organizações, com a união dos municípios em torno dos interesses comuns, contribuirão, certamente, para um melhor aproveitamento do território e consequente valorização de uma grande região com enorme potencial.

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Fonte: Eiras, J., Costa A., Santos M. – Avaliação da Suscetibilidade associada a atividades de Montanha no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Contribuições para a elaboração de um Plano Prévio de Intervenção. Revista Territorium n.º 27 (II), 2020 p. 115-123. Disponível em WWW: https://impactum-journals.uc.pt/territorium/article/view/1647-7723_27-2_10/6650

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