A sustentabilidade e a Covid-19
19/03/2024 2024-07-16 17:53A sustentabilidade e a Covid-19
A sustentabilidade e a Covid-19
Autor
Jorge Cristino
Doutorando em Políticas Públicas, Mestre em Relações Internacionais, Pós-graduado em Direito do Ambiente, especializado em Cooperação para o Desenvolvimento e Engenheiro de formação base. Júri do indicador das alterações climáticas do Programa Municípios ECOXXI – Bandeira Verde e membro do Grupo de Missão para o reconhecimento do Clima como Património Comum da Humanidade, junto das Nações Unidas. Atualmente exerce funções como gestor público.
Está tudo ligado!
Quanto mais se alegar que a desaceleração da economia, o empobrecimento das pessoas e que a paralisação da sociedade é parte da solução, mais afastadas vão estar as pessoas de uma verdadeira mudança de comportamentos e mais longe vão estar os governos e as suas decisões e prioridades internacionais para investirem nas medidas certas.
Desde os primeiros dias de confinamento provocado pela crise epidémica na China até à crise pandémica global, que não têm faltado demonstrações, através de indicadores e até de imagens de satélite, de que esta desaceleração tem proporcionado um bom desempenho ambiental, calculando-se, em 2020, numa redução global de emissões de 5% de gases com efeito de estufa, segundo o Global Carbon Project. No entanto, esquecem-se que cada vez que o fazem, colocam a necessidade premente de equilíbrio e sustentabilidade ambiental do lado oposto da “barricada”. Ou seja, quanto mais se alegar que a desaceleração da economia, o empobrecimento das pessoas e que a paralisação da sociedade é parte da solução, mais afastadas vão estar as pessoas de uma verdadeira mudança de comportamentos e mais longe vão estar os governos e as suas decisões e prioridades internacionais para investirem nas medidas certas.
E é por isso que tenho lido, com consternação, alguns artigos, entrevistas e notícias a considerar positiva a crise global da COVID-19, seja pelo facto de ter sido verificado uma desaceleração da economia e por essa via uma diminuição das emissões, seja pelo facto de verificarmos a atuação de Governos com a implementação de medidas de larga escala e que impõe regras bastante difíceis a todos os cidadãos, famílias e empresas.
Encontrar abordagens que admitem haver fatores positivos para o ambiente, no contexto atual de crise de saúde pública mundial, é imaginar que no íntimo dessas mesmas ideias existe a forte possibilidade de acharem que um genocídio ou extermínio de grande escala resolveria o problema das alterações climáticas.
O contexto da crise atual é de um drama diário bastante doloroso para milhões de pessoas em todo o mundo. São dramas pessoais, de quem vê um familiar doente ou que viu partir sem se poder despedir, e com consequências nefastas de saúde mental provocadas pelo isolamento, privando as pessoas de socializar. Isto para além da instalação de uma crise social e económica global sem precedentes, além da energética e climática, acrescentado por um nível de incerteza e indeterminado no tempo, provocando a angústia, a preocupação e mesmo o pânico em muitas pessoas.
Apenas um fundamentalismo ecológico poderia levar a uma interpretação positiva desta crise. O elementar equilíbrio terrestre é atingido entre a sustentabilidade social, económica e ambiental, permitindo a convivência entre todas as espécies no mesmo planeta, com a preservação dos recursos naturais, a defesa do bem-estar das pessoas e o garante do futuro equilíbrio ecosistémico, especialmente quando as Nações Unidas estimam que vamos passar de 7,8 mil milhões de habitantes no Planeta Terra em 2020, para 9,8 mil milhões em 2050, com 68% dessa população a viver em meio urbano, como já hoje se verifica em cidades com mais de 20 milhões de pessoas.
Não podemos esquecer que o argumento real que é usado para diminuir a poluição do ar ou o ruído por provocar a morte prematura de mais de 7 milhões de pessoas em todo o mundo ou mesmo os custos sociais e económicos provocados pelos impactos dos desastres climáticos e até a migração global resultante das alterações climáticas é a mesmíssima razão para que estejamos hoje unidos num combate direto a um vírus altamente contagioso e que é uma ameaça igualmente real para a Humanidade.
Ao contrário do que muitos têm dito, as ilações e lições que devemos tirar desde já, numa relação direta entre a pandemia provocada pela COVID-19 e os danos ambientais provocados ao longo das últimas oito décadas (desde 1950 que o PIB iniciou o seu exponencial crescimento), é que a Humanidade pode ser mais rapidamente ameaçada biologicamente, do que física, química ou climaticamente. Esta crise deve fazer-nos refletir que a nossa ação tem mesmo efeitos nefastos diretos e mais imediatos do que julgávamos e que não será apenas por via do aquecimento global, pela seca, pelo crescimento exponencial de emissões, pela poluição do ar, pela escassez de recursos naturais, pelo plástico nos oceanos, pela perda de biodiversidade, pelo degelo, pela subida do nível dos mares e já agora pela quantidade de milhões de litros de desinfetantes e pesticidas que vão parar diariamente aos rios e oceanos. Será por tudo isto, com mais um conjunto de milhões de acontecimentos bacteriológicos ou virais, que provocamos num outro submundo microscópico, no qual acontecem milhares de milhões de combinações de reações, das quais não temos a mínima consciência. E sim, o coronavírus tem tudo a ver com o ambiente e com o que ação humana tem provocado.
É verdade. A guerra pela sobrevivência é biológica. E se não mudarmos, outras pandemias se seguirão, ainda mais devastadoras. É uma guerra pela permanência neste planeta e está relacionada com a necessidade de atingirmos uma rápida sustentabilidade ambiental. Olharmos à origem da COVID-19, deve fazer-nos refletir igualmente em duas dimensões:
A primeira, é que as próximas décadas são cruciais na área alimentar, na agricultura e na pecuária. Devemos cada vez mais refletir nos hábitos alimentares e nos modos de produção e consumo. Temos que investir em alternativas sustentáveis nesta área. A propósito, as Nações Unidas já tinham feito avisos e desta vez reforçados por esta pandemia, que podemos enfrentar uma crise alimentar ao nível mundial. Não apenas pela dificuldade de produção de alimentos neste momento pós-crise, mas porque no mundo globalizado fizemos depender uma cadeia de mercado e de valor que incentiva e valoriza a produção em grande escala para exportação, abandonando a produção local. Comitantemente, a área agropecuária e a indústria agroalimentar são as maiores contribuintes líquidas para a nossa pegada ecológica, segundo a Global Footprint Network e por isso as mais poluidoras, onde a probabilidade de ocorrência de reações químicas e combinações biológicas é maior.
A segunda dimensão está na segurança a esta escala microbiológica e biológica, como é a segurança alimentar. Com a COVID-19 e a provar-se a sua origem num mercado de animais vivos, tomamos consciência que existem práticas, tradições, comportamentos, medidas ou políticas que originárias num país podem influenciar países vizinhos ou o resto do mundo transversalmente. Perante isto, há a necessidade de estabelecermos regras e reforçar instituições e organizações internacionais que tenham a capacidade e a hegemonia para regulamentar e atuar ao nível global. Ou seja, a partir do momento que a exploração de um recurso, de um bem ou uma causa tem influência à escala global, um País deveria ficar obrigado a cumprir uma diretiva internacional e transpor para a sua legislação nacional como forma de proteção de todos. Seja no ambiente, na saúde pública ou na economia. Neste Mundo Global acelerado, confrontados com novas realidades somos forçados a agir em conformidade para maior segurança e igualdade entre todos.
É por isso importante manter o rumo e juntos mudarmos o Mundo, a começar por nós, sem esquecer que a saúde pública e o ambiente estão diretamente relacionados, e que nesta crise pandémica a lição que temos a tirar é que é possível mudarmos os nossos comportamentos e que a partir de agora se aproveite a oportunidade para que possamos tomar medidas favoráveis à sustentabilidade ambiental, social e económica, introduzindo de vez o indicador felicidade na nossa vida coletiva, bem como das próximas gerações.
Lisboa, 15 de fevereiro de 2022 (atualizado de um artigo de 6 abril de 2020)