Gestão e Administração

O Modelo Único de Relato para as Entidades Públicas

Rui Galhardo Blog

O Modelo Único de Relato para as Entidades Públicas

Autor

Rui Galhardo

Licenciado em Gestão e pós-graduação em Contabilidade, Finanças Públicas e Gestão Orçamental. Mestre em Economia e Políticas Públicas. Especialista em Contabilidade Pública, Diretor de departamento de Gestão Financeira e Formador em SNC-AP, Controlo Interno e Finanças Públicas.

Em maio de 2018 a UNILEO – Unidade de Implementação da Lei de Enquadramento Orçamental publicou uma proposta de “Modelo único de Prestação de Contas das Entidades Públicas” inspirada em modelos e práticas aceites internacionalmente como o Integrated Reporting e as recomendações do Internacional Public Setor Accounting Standards Board (IPSASB).

A metodologia do Integrated Reporting <IR> preconiza a elaboração de relatórios integrados, onde a informação financeira se conjuga com a informação não financeira, numa perspetiva de “modelo de negócio” através do qual se evidencia a forma como as entidades públicas criam e entregam valor à sociedade.

Na perspetiva do modelo único, o Relatório de Gestão que “integra o conjunto de documentos de prestação de contas, deverá consistir numa narrativa coerente das atividades da entidade, em consonância com a sua missão e objetivos (…)”.

No entanto, o que temos hoje é legislação que incentiva a existência de relatórios de atividades numa perspetiva não financeira sem integração com os objetivos do relato financeiro, portanto, sem incluir a relação dos aspetos financeiros com os aspetos não financeiros.

O que se constata é a utilização e a interpretação comum do termo “Relatório de Atividades” mais numa perspetiva não financeira e a utilização do termo “Relatório de Gestão” mais numa perspetiva financeira.

Todavia, se considerarmos que, quer o Relatório de Gestão, quer o Relatório de Atividades, deve conter a prestação de contas do serviço realizado pelas entidades públicas em benefício do país, então o relato das atividades deveria constar num único documento, um relatório de gestão e de atividades.

Na prática, esta confusão entre relatório de gestão e de atividades leva algumas entidades, como alguns Institutos Públicos, a elaborarem dois relatórios: um relatório de atividades sem integração com o relato financeiro e um relatório de gestão sem integração com o relato de desempenho.

Curiosamente, os municípios juntam nos seus “Relatórios e Contas” o relato das atividades e o relato financeiro, com maior ou menor integração da informação financeira com a informação não financeira. No entanto, este modelo acaba por originar documentos demasiados extensos e que contrariam um dos princípios básicos do Integrated Reporting <IR>, a concisão.

Este panorama leva-nos a pensar, que relato queremos para as entidades públicas?

Relatório de Atividades e Relatório de Gestão na legislação

Vejamos o que dispõem os normativos vigentes.

O Regime da Administração Financeira do Estado (RAFE) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 155/1992, de 28 de julho na sua redação atual, prevê no n.º 2 do artigo 5.º, referente aos serviços com autonomia administrativa (regime geral) que “Os serviços e organismos deverão ainda elaborar um relatório anual sobre a gestão efetuada, com uma rigorosa discriminação dos objetivos atingidos e dos recursos utilizados, bem como do grau de realização dos programas, o qual será aprovado pelo ministro competente”.
Pensamos que a expressão “discriminação dos objetivos atingidos e dos recursos utilizados” já aponta para uma integração do relato não financeiro (objetivos) com o relato financeiro (recursos utilizados).

Este diploma também prevê, para os serviços com autonomia administrativa e financeira (regime excecional), como sejam os Instituto Públicos, que o “Relatório de Atividades do órgão de Gestão” deverá “proporcionar uma visão clara da situação económica e financeira relativa ao exercício, espelhando a eficiência na utilização dos meios afetos à prossecução das suas atividades e a eficácia na realização dos objetivos propostos”.

Já a Lei-Quadro dos Institutos Públicos (LQIP), Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro, na sua redação atual, que também prevê relatórios de atividade e contas, preconiza a existência de uma contabilidade analítica com vista ao apuramento de resultados por atividades (artigo 39.º) e um sistema coerente de indicadores de desempenho, o qual deve refletir o conjunto das atividades prosseguidas e dos resultados obtidos (artigo 40.º).

Por sua vez o Sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na administração pública (SIADAP), aprovado pela Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro, na sua redação atual, integra no ciclo de gestão, a “elaboração do relatório de atividades, com demonstração qualitativa e quantitativa dos resultados alcançados, nele integrando o balanço social e o relatório de auto-avaliação previsto na presente lei” (alínea e) do n.º 1 do artigo 8.º).

Este relatório de auto-avaliação deve ser acompanhado de um conjunto de informação obrigatória prevista no artigo 15.º do mesmo diploma.

Em sentido inverso, a nova Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, na sua atual redação, fala do “Relatório de Gestão” como documento de prestação de contas. 

De acordo com o artigo 65.º, as entidades públicas elaboram, até 31 de março do ano seguinte ao ano económico a que as contas respeitam, os respetivos documentos de prestação de contas que entregam ao membro do Governo responsável pela área das finanças, ao membro do Governo da tutela e ao Tribunal de Contas. Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, os documentos de prestação de contas integram: a) O relatório de gestão; b) As demonstrações orçamentais e financeiras; c) Outros documentos exigidos por lei.

Também o Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais, aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, fala de relatório de gestão como um documento integrante da prestação de contas consolidadas (n.º 7 do artigo 75.º), sem deixar de mencionar o relatório de atividades (alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º), como documento de publicidade individual.

Transparência vs Concisão

Para cumprimento das disposições legais os relatórios de gestão e de atividades acabam invariavelmente por conter imensas páginas. Também as novas exigências decorrentes das recomendações do IPSASB podem engrossar o relato. A questão a saber é se essa informação toda beneficia ou prejudica o princípio da transparência.

De acordo com a LEO (artigo 73.º), para concretizar o princípio da transparência orçamental são disponibilizados ao público, em formato acessível, a informação sobre os programas dos subsetores da administração central e da segurança social, os objetivos da política orçamental, os orçamentos e as contas do setor das administrações públicas, por subsetor e entidade. Para isso, o Governo deve criar uma plataforma eletrónica em sítio na Internet, de acesso público e universal, na qual é publicada, de modo simples e facilmente apreensível, a informação referida no número anterior.

Ou seja, facilmente se conclui que para cumprir o princípio da transparência, o relato tem de adquirir outras formas de publicidade, por forma a chegar a mais utilizadores de informação.

Relato esse que é obviamente mais conciso e compreensível.

Em princípio, deverá haver um interesse proporcionalmente menor quanto maior for o número de páginas de um relatório de gestão e de atividades. E se houver uma forma alternativa de compreender a informação, provavelmente os utilizadores da informação vão optar por essa alternativa.

Ainda por cima, com a entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística para as Administrações Públicas (SNC-AP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 192/2015, de 11 de setembro, os mapas da contratação administrativa que antes eram mapas de relato específico para o Tribunal de Contas, passaram a integrar e a engrossar os documentos de prestação de contas.

Também os mapas das transferências correntes, as listagens de imóveis e os mapas dos Quadros de Avaliação e Responsabilização (QUAR), podem contribuir para a extensão dos documentos de prestação de contas de algumas entidades.

Que relato futuro para as entidades públicas?

O relato integrado é um bom princípio e uma boa prática internacional. No entanto para integrar a informação não financeira com a informação financeira obrigatória pelos diplomas legais vigentes, os relatórios de gestão e de atividades são inevitavelmente extensos.

Uma solução possível com a legislação atual é elaborar, paralelamente ao relatório e contas, um relatório integrado de informação concisa, para ajudar a compreender a informação prestada, o que pode fazer diminuir ainda mais o interesse pelo relatório completo, mas, pelo menos, temos as duas versões disponíveis ao público em geral.

Neste contexto, a integração dos princípios do Integrated Reporting <IR>, nomeadamente da concisão na legislação futura, exigirá uma reflexão e revisão legislativa das atuais exigências de relato financeiro e não financeiro.

Em primeiro lugar, considera-se que é preciso eliminar a confusão entre relatórios de atividades e de gestão, adotando uma denominação comum, eventualmente relatório integrado de gestão e atividades.

Depois, a implementação de um modelo único de relato para as administrações públicas, com base nos princípios do <IR> também exige a normalização do relato não financeiro, com instruções para a elaboração dos relatórios de desempenho, promovendo a concisão e a transparência, mas sem retirar a necessária flexibilidade aos órgãos de gestão. Um equilíbrio talvez difícil de obter.

No que respeita ao excesso de informação, podem ser adotadas pequenas medidas com grandes efeitos, por exemplo, a obrigação de publicação obrigatória no sítio de internet das entidades, de mapas extensos, como é o caso da contratação administrativa, retirando essa informação do conjunto dos documentos de prestação de contas de finalidades gerais.

No que respeita ao relato de desempenho também seria interessante estabelecer um quadro de avaliação mais simples, normalizando o relato e limitando o número de objetivos e de indicadores, tal como está a acontecer na implementação da orçamentação por programas, através de instruções da Direção-Geral do Orçamento (vide Circular Série A n.º 1408, pontos 112 e seguintes).

Outra medida que pode ser tomada é a obrigação de publicação de brochura ou sítio na página da internet com informação resumida sobre a prestação de contas, de forma simples e facilmente apreensível, tal como previsto na LEO. Vide por exemplo o explicador do orçamento no site da Direção-Geral do Orçamento.

Considerando que a questão da concisão no relato integrado <IR> implica também a análise da materialidade e relevância da informação a relatar, não se deveria deixar de prever a possibilidade de as entidades fazerem, voluntariamente ou não, relatórios detalhados sobre aspetos não materiais da sua atividade, para publicarem nos seus sítios de internet, mas fora do âmbito da prestação de contas e dos relatórios de gestão e de atividades.

Em suma, existe um caminho a percorrer para implementar o relato integrado nas administrações públicas através de um modelo único de relato para as Administrações Públicas (MUR-AP), mas esse caminho dificilmente se fará sem o incentivo legislativo adequado, ou seja, sem uma revisão integrada de toda a legislação sobre relato financeiro e de desempenho das Administrações Públicas.

Comentário (1)

  1. Ana

    Excelente reflexão! parabens!

Escreva o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *