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ARACHNE – A Ferramenta Informática criada pela Comissão Europeia para identificar riscos de fraudes com Fundos Europeus

14 Blog Incurso Jerusa Vasconcelos

ARACHNE – A Ferramenta Informática criada pela Comissão Europeia para identificar riscos de fraudes com Fundos Europeus

Autora

Jerusa Vasconcelos

Especialista em transformação digital e due diligence em contratação pública.

Segundo dados da Transparency Internacional e o relatório sobre o Índice de Perceção da Corrupção de 2022, divulgado por esta, Portugal não fica bem na fotografia.

Segundo dados do relatório, a Estratégia Nacional Anticorrupção (ENAC), que foi lançada sem diretrizes ou plano de monitorização, resultando em fraca aplicação e implementação lenta de medidas dirigidas à prevenção da corrupção no setor público.

As deficiências da Estratégia Nacional Anticorrupção, foram identificadas no relatório de 2021, todavia segundo dados constantes no relatório, não foram registadas evoluções significativas na última década, não tendo Portugal acolhido e implementado as recomendações do Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECCO).

Portugal encontra-se constantemente abaixo do valor médio da sua região (66 pontos), colocando sobre pressão determinados sectores nomeadamente do mercado imobiliário(VISTOS GOLD)e da o da Defesa ,tendo sido solicitado ”(…)a intervenção urgente da Assembleia da República, particularmente a Comissão de Defesa Nacional, na fiscalização do setor da defesa, atendendo ao facto de nos encontrarmos no grupo de países com risco elevado de corrupção neste setor.”

O que justifica a integração da prevenção e combate à corrupção tanto na gestão das organizações (públicas e privadas) como na contratação pública?

As atividades organizacionais que têm vulnerabilidades, geram oportunidades para que ocorra um fenómeno de corrupção e as atividades e processos de contratação pública não são exceção!

Recentemente estive numa formação, onde de forma discreta foi abordada a teoria do Triângulo de Fraudes formulada por Donald Cressey. Esta teoria, procura identificar os motivos que originaram ou incentivaram a ocorrência de fraude e baseia-se em 3 (três) dimensões: Pressão/incentivo. Oportunidade e Justificação/Racionalização.

Curioso e tão atual atendendo a que esta teoria foi formulada em 1953.

Este triângulo se implementado nas organizações, pode contribuir para a elaboração de controles internos, nomeadamente no âmbito da contratação pública atendendo à vulnerabilidade das atividades inerentes a esta e dos cargos de confiança.

Figura 1 - Triângulo de Fraudes

Em que medida se aplica à contratação pública?

Quando falamos de “dinheiros” Comunitários, tendencialmente decorre um maior rigor e controle, como consequência do escrutínio a que procedimentos ao abrigo do PRR estão sujeitos, para verificação do cumprimento dos objetivos e metas. As consequências para o Beneficiário Direto caso ocorram irregularidades no que concerne a uma boa gestão financeira, da transparência, do principio da concorrência e não descriminação pode ter consequências avassaladoras para as instituições quer na sua credibilidade, quer na economia local, quer na aplicação de sanções financeiras, na devolução de montantes pagos e eventualmente na suspensão de financiamento (temporariamente ou permanentemente).

Ora, segundo a Comissão Nacional de Acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência CNA|PRR para que se verifique a boa execução do PRR, devem ser observadas também 3(três) dimensões, designadamente :

1. Gestão de processos e recursos
2. Mecanismos de controlo e carga administrativa
3. Modelo de acompanhamento

Com as duas primeiras dimensões temos a perceção de quanto é exigente a execução do PRR, face a sua orientação para resultados (traduzindo-se em metas e objetivos) e a curto prazo para a sua execução, com a sua conclusão até 2026.

Atendendo à necessidade de reporte de um conjunto de dados e indicadores e evidencias documentais junto da Comunidade Europeia, no que concerne ao cumprimento das metas e marcos, comparativamente a outros programas como PT2020, verifica-se um aumento considerável de burocracia e de interações para incrementar dados de reporte. 

Burocracia e mais burocracia é a principal razão apontada pelos benificiários diretos, intermédios e finais que justificam o baixo índice de execução do PRR. De acordo com os mais recentes dados do relatório semanal de monitorização disponibilizados a 24 de abril de 2024 pela Estrutura de Missão Recuperar Portugal, conforme imagem infra, a evolução é discreta.

Figura 2 - Dados do Relatório Semanal de Monitorização de 17 abril de 2024

É notória a preocupação da União Europeia no combate à fraude e a prevenção da corrução, atendendo a que este tema consta de diversas Diretivas e ao sólido apelo de implementação de medidas de transparência pelos Estados Membros e pelas suas Administrações Públicas.
De notar que foram publicadas normas técnicas adicionais pela Estrutura de Missão recuperar Portugal, que incluem questões como o conflito de interesses, avaliação dos riscos de fraude e medidas antifraude, duplo financiamento. 

Estas exigências foram incluídas na reprogramação do PRR português com a inclusão da Componente 22, dedicada à Auditoria e Controlo, com a necessidade do pontual e imediato cumprimento.

Portugal enquanto Estado Membro, encontra-se obrigado a dispor de um sistema de controle interno robusto e eficaz e neste sentido a Estrutura de Missão Recuperar Portugal(EMRP), dando cumprimento às obrigações previstas em sede de regulamentação comunitária, com a finalidade de garantir o cumprimento eficaz dos procedimentos, nomeadamente em matéria de combate e mitigação de risco de conflitos de interesses, fraude, corrupção conforme anteriormente falado e previstos no DL nº 29-B/2021 de 4 de maio, “que estabelece o modelo de governação dos fundos europeus atribuídos a Portugal, através do PRR, conforme previsto no artigo 22º do Regulamento da (EU) 2021/241 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de fevereiro de 2021, criou e aprovou a Orientação Técnica Nº8/2023, e cria o Mecanismo de Recuperação e Resiliência e das obrigações assumidas por Portugal no Contrato de Financiamento e no Contrato de Empréstimo assinado com a Comissão Europeia que conjugada com a Orientação Técnica Nº 14/2023 no que concerne à Avaliação do Risco de Fraude e medidas antifraude eficazes e proporcionadas, sugerem a implementação de controles internos e medidas preventivas do risco de fraude.”

A implementação instrumentos de controle e monitorização, bem como a implementação de politicas de analise, graduação e gestão do risco, tratamento/resposta a eventos disruptivos, defende a organização, os colaboradores e o decisor público.

Infra apresento um quadro exemplificativo de potenciais riscos identificados e respetivos controles existentes e implementados quanto à Avaliação da Exposição a Riscos de Fraude Específicos no âmbito dos contratos públicos.

Figura 3 - Exemplo constante na Orientação Técnica N.º 14/2023

A elaboração deste documento é uma mais valia para as organizações que podem adotar, ajustar e implementar à dimensão e às especificidades de organização e em diferentes áreas. No processo de tomada de decisão na contratação pública, independentemente da fase em que se encontra, pré-contratual ou contratual (planeamento, decisão de contratar, analise e avaliação de propostas, adjudicação, execução contratual) é fulcral que a “decisão” seja bem fundamentado, atendendo à demanda da transparência administrativa.

A transparência de processos e decisões não é um “CHAVÃO.” Serve o propósito do interesses público, do bem comum e é um grande gerador de confiança do cidadão, de organização nacionais e internacionais. Mas a transparência é baseada na tomada de decisões informadas, conforme visto anteriormente que é potenciada através do DATA MONITARING (mapeamento, quantificação e monitorização).

Quanto à Orientação Técnica Nº8/2023, esta “cria concretamente, o quadro de procedimentos e de técnicas a adotar pelos Beneficiários Diretos (BD) e Beneficiários Intermediários (BI) do PRR para acesso e utilização da ferramenta de data mining Arachne, desenvolvida e disponibilizada pela Comissão Europeia para mitigação de riscos de ocorrência de situações de conflitos de interesses, fraude, corrupção e duplo financiamento.”

Esta ferramenta identifica, com base num conjunto de indicadores de risco, os projetos, os beneficiários, os contratos e os contratantes suscetíveis de acarretar riscos de fraude, conflitos de interesse ou irregularidades.

Segundo a Comissão Europeia, “a ARACHNE estabelece uma base de dados exaustiva dos projetos que contam com apoios do Fundo Social Europeu (FSE) e do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER). No entanto, não avalia o comportamento individual dos beneficiários dos fundos, nem exclui automaticamente qualquer beneficiário, mas emite alertas de risco o que ajuda a fazer uma gestão mais eficaz dos fundos”.

É notória a preocupação da reciprocidade na ética e na contratação pública, atendendo a que esta ferramenta não avalia o comportamento individual dos beneficiários. As regras comunitárias e mundiais para combater a corrupção são cada vez mais estritas, mas as sanções previstas também.

Na agenda de 2030 , as Nações Unidas contemplam 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, sendo assumido sem surpresa o combate à corrupção e ao suborno em todas as suas formas, como uma prioridade ao constar no Objetivo 16. (vide ODS16.5 e ODS 16.)

Figura 4 - ODS 16

Usar o Arachne como um controle ?

É importante salientar que os riscos não são identificados a pensar nas ”pessoas”, mas nas atividades que têm ou que podem ter vulnerabilidades que geram oportunidades para quem tem baixo índice de integridade.

A pergunta que deve ser feita – Esta atividade é ou não apetecível para que ocorra um fenómeno de corrupção?

Realizado este mapeamento dos riscos, das atividades criticas onde estes possam ocorrer, devem ser implementados controles e desenvolvidas medidas preventivas e corretivas dos riscos.

Neste sentido o instrumento de pontuação do risco Arachne pode ser uma medida preventiva e de controle, atendendo a que este baseia-se em dados internos e externos à organização. Os dados internos (projetos, beneficiários, contratos, contratantes e despesas) são extraídos pela autoridade de gestão dos seus sistemas informáticos locais e carregados num servidor específico dos serviços da Comissão.

Segundo informação disponibilizada pela Comissão Europeia, a Arachne, é uma ferramenta de avaliação do risco, gratuita, que “contribuirá significativamente para tornar mais eficientes e eficazes os controlos de gestão durante a seleção das operações e a gestão e o controlo financeiros dos programas operacionais. Os controlos das operações no local e as verificações administrativas de cada pedido de reembolso apresentado pelos beneficiários são dispendiosos e absorvem capacidades administrativas. Esta ferramenta ajuda a afetar de forma eficiente os recursos humanos às análises de documentos e aos controlos no local, concentrando-se nos beneficiários, contratantes, contratos e projetos de maior risco.”

Em jeito de conclusão,

Objetivo
O principal objetivo da ARACHNE é o de apoiar e suportar as autoridades nacionais (EM e entidades com responsabilidades na boa e regular implementação dos investimentos) nos seus controlos e verificações administrativas, com vista a proteger os interesses financeiros da União Europeia.

Principais Vantagens
Segundo a carta da Comissão Europeia “ (…)a Arachne ajudará a autoridade de gestão a identificar os projetos, contratos, contratantes e beneficiários de maior risco, e a concentrar a sua capacidade administrativa nas ações de verificação.”

Consequências
“ Se a autoridade de gestão concluir, com base nos resultados da classificação do risco e na sua posterior verificação, que as despesas podem ser afetadas por irregularidades, deverá aplicar todos os procedimentos necessários e adequados antes que sejam declaradas à Comissão pela autoridade de certificação. As autoridades de gestão seguirão os procedimentos para prevenir, detetar e corrigir irregularidades ou fraudes, e farão as necessárias notificações ao OLAF através da base de dados IMS, conforme previsto nos sistemas de gestão e de controlo e nas normas em vigor. Se a análise das autoridades de gestão levar a que sejam identificados riscos recorrentes, os sistemas de gestão e controlo devem ser reforçados para os fazer cessar. A autoridade de gestão deve, subsequentemente, identificar os projetos ou ações correspondentes a estes riscos recorrentes e tomar as medidas necessárias para garantir a legalidade, regularidade e elegibilidade das transações subjacentes.”

Oportunidades
Atendendo que os contratos públicos são fundamentais para o funcionamento de governos e de toda a Administração pública, é exigido cada vez mais, elevados padrões de integridade e transparência a todas as partes interessadas no ecossistema que interage direta ou indiretamente no ciclo de contratação pública.

Tomar este instrumento de controle e avaliação do risco de corrupção como exemplo , adaptar às características e dinâmicas de trabalho da entidade adjudicante , claro que numa base mais simples é um desafio exequível de ser feito. 

Desenvolver indicadores e ferramentas de avaliação do risco deve ser uma prioridade na agenda das organizações bem como a definição de estratégias de gestão do risco nos processos sejam eles de contratação pública ou não.

O risco de uma tomada de decisão em matéria de contratos públicos que seja considerada como um ato promotor ou facilitador de fraude, conluio ou de corrupção é real e a sua identificação, monitorização e definição de controles pode orientar tomadas de decisões fundamentadas, eficazes e eficientes, conforme recomendações da OCDE

Não esqueçamos que “se alguma coisa pode correr mal, vai correr mal. Além disso vai correr da pior forma possível , no pior momento e de modo a causar o maior dano possível.” – Leis de Murphy

Links Utilitários:

– Arachne-Charter-PT (3).pdf – Carta para a introdução e aplicação do instrumento de pontuação do Risco Arachne nas Verificações de Gestão
– Relatório Semestral PRR Junho 2023 (recuperarportugal.gov.pt)
– Orientacao-Tecnica-EMRP-n.o-8-2023-ARACHNE-PRR-sumario-executivo.pdf (recuperarportugal.gov.pt)
– Publications Office (recuperarportugal.gov.pt)
– OT-EMRP-n.o-15-2023RGPD_vf-1.0.pdf (recuperarportugal.gov.pt)
– Publications Office (recuperarportugal.gov.pt)                                                                                     – Comissão Europeia, Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão, Arachne: be instinctive, Publications Office, 2016, https://data.europa.eu/doi/10.2767/790939  

 

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